16.º MÊS: ANDRÉ VENTURA QUERIA SER COMO ELE MAS NÃO CONSEGUE
Leia até ao final e saiba como é a silly season a la Chega.
Ao 16.º mês da legislatura vigente, a atualidade força-nos a sair do país, mas não como fez André Ventura: o líder do Chega foi até Espanha, lacrimejando de esperança (mucha ilusión), com a previsão de a extrema-direita espanhola poder vir a integrar o governo do país vizinho. Parece que Ventura também regressou de lágrima no olho, mas agora de fúria, com a brutal perda de mandatos do VOX.
É sempre lindo ver um facho-macho (referência a Leitura Fácil; recomendo) chorar por não conseguir ser tão facho quanto queria.
Porém, o resultado eleitoral espanhol, apesar de ser clara a impossibilidade de governo à direita (mesmo com VOX), deverá ser analisado com cautela. Para isso aponta um artigo do El País, que explica como, apesar da queda no número de deputados do VOX, a percentagem de votos não oscilou assim tanto:
Vox sufre un gran castigo en escaños, no tanto en votos
El partido de Santiago Abascal ha perdido un tercio de sus asientos, cayendo de 52 a 33, pero su retroceso en voto es menor: solo ha perdido el 20% de sus apoyos. Es decir, los votantes de la extrema derecha siguen siendo uno de cada ocho españoles.
É assustador que tanta gente vote na extrema-direita, independentemente do país. E, como sabemos, há muitos a ser afectados por esta deriva:
Não vislumbro razões legítimas para este voto (descontentamento com o sistema é insuficiente) mas consigo identificar duas justificações: ignorância ou intolerância; se à primeira respondemos com pedagogia (e não podemos cansar-nos disso, por muito difícil que seja), contra a segunda só há uma opção: responder na mesma moeda, isto é, intolerar os intolerantes.
O VOX é intolerante em toda a linha, e apresenta-se mais robusto do que o Chega, que parece, internamente, funcionar como um mau café central:
“O trabalho de campanha para as autárquicas foi muito complicado e caiu por terra entretanto, porque Portalegre foi abandonado pelo André Ventura — assim como Beja e Évora”, confirma José Lérias, ex-candidato do partido a Elvas. “Já tinha participado em campanhas pelo CDS, e quando o convite surgiu tive dificuldade em aceitar porque já o tinha visto a defender na TV coisas indefensáveis”, contextualiza o empresário local. Mesmo assim, Lérias quis “conhecer o partido por dentro”: tornou-se militante, investiu e trabalhou na campanha, sentiu já nessa altura a falta de apoio da direção nacional. “É um partido com muita falta de quadros, não serão capazes de arranjar soluções para nada. Ninguém é escutado e o partido é muito autoritário”, conclui. Desfiliou-se no dia seguinte às autárquicas.
Não cometendo os erros do Chega face às bases, o VOX acaba por ter mais força, sendo, desta forma, também mais perigoso. Este perigo vem de todo o lado, como podemos ver no parágrafo abaixo, que resume muito bem a agenda intolerante da extrema-direita.
Isto é aterrador. Não nos podemos esquecer do quão inadmissível é a proposta de retirar direitos - os direitos não obrigam ninguém a nada, só libertam. A direita, que gosta tanto de barafustar perante o pensamento woke, falha em acusar a extrema-direita, com quem tem poucos pruridos de se envolver, de imposição unilateral de um conjunto de valores que reprimem milhões de pessoas, quando essas mesmas pessoas nada fazem que afecte a vida dos opressores.
Uma das bandeiras do VOX, que só não é do Chega porque o debate ainda não chegou, nestes moldes, a Portugal, é a negação da violência machista. Escrevi no P3 sobre a importância de usarmos estas palavras em detrimento de “violência doméstica”, pois o problema maior é, mesmo, a violência dos homens sobre as mulheres.
Começa assim:
Depois do intrincado resultado eleitoral no passado domingo, a composição do novo executivo espanhol e o respectivo apoio parlamentar estão longe de estar definidos. Apesar de o foco mediático estar no futuro, gostaria de olhar para o passado, sobretudo o período de campanha, e sublinhar o léxico utilizado em vários momentos eleitorais. Tanto nos debates televisivos como na comunicação social foi recorrente o uso da expressão “violência machista”. Este é um termo que em Portugal raramente ouvimos ou lemos. Porém, em Espanha, é possível verificar que está normalizado o uso desta expressão quando o tema é violência doméstica.
Antes de terminar
Ventura disse que o país era uma “casa de alterne” a propósito dos salários baixos. O primeiro dado é que Ventura sabe que se paga mal na prostituição - ainda bem, mas quer que os portugueses recebam mais enquanto descrimina alguns, usando-os como exemplo não tanto pelo baixo salário mas pelo tipo de trabalho.
A nível de prostituição, não há ninguém que tenha vendido mais o seu corpo do que André Ventura, agora convertido a ideias que antes abominava. E em vez de apresentar medidas para subir os salários de todos e todas - incluído de quem se vê forçado (ou não) a trabalhar nas casas de alterne (que Ventura conhece e sabe que pagam mal) -, fica-se só pelo soundbite. A comunicação social faz-lhe o favor.